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III

O bar de sempre de fim de tarde. Onde habitualmente expiamos os pequeninos pecados que levámos adiante pela esperteza do dia e ainda nos achamos mais ladinos por acharmos que não fomos descobertos.
Que desperdicio.
Nada vai mudar. Nem mesmo que todos juntos façamos muita força e num desejo comum e esotérico nos convençamos que é quanto basta para que Simone volte, nem de olhos fechados a lembrar-lhe as maluqueiras ou os acessos de raiva ou no silêncio escorrido da imperial se recorde o quanto era bela nua.
Acho que não há ninguém aqui neste bar que não se tenha deitado com ela... Deitado mesmo, não é fornicar, é deitar e dormir, enroscado, abraçado, agarrado à sua barriga para que ela não fugisse a meio desses momentos que parecíam sempre tão curtos.
O lugar dela na ponta do balcão, virada para a porta, as costas resguardadas pela parede amarelecida pelo fumo, à esquerda as casas de banho com o chão de mármore, o lavatório de mármore, tudo baço, muitos anos de mijo pingado a corroer a pedra.
Quando olho para o balcão vejo-a. Quase que consigo ouvir o barulhinho que as meias pretas dela fazíam quando traçava e destraçava a perna.
- São de seda, são meias que sabem a Traviatta de cor e salteado.
- Não me faças rir Simone! De seda?!
- Sim, de seda! Da mais pura seda fabricada por mil e mais mil bichinhos... sinto-lhes o formigueiro nos tornozelos, nas coxas... Não os ouves?
A essa altura eu ouvía qualquer coisa desde que fosse dito por ela. Como é que ela conseguía prender-me a atenção é que nunca descobri.
Um brinde.
Porque não? Levanto o meu copo a Simone, no meio do da malta, todos presas dela, no fundo nós éramos os bichinhos dela, os seus animaizinhos amestrados. E gostávamos. E sentíamos ciúme quando ela dava mais conversa a um que a outro.
Onde será que estás agora Simone?
Sem ser naquele sitio horrível e escuro, não posso acreditar que te enterraram, te deixaste fechar num caixão sem dares luta, no minimo umas arranhadelas ao coveiro, ao Padre.
O teu sitio no balcão está vazio, é teu, está à tua espera, espero que vejas que já bebi muita cerveja em tua honra, em teu nome e por mais não sei quantos brindes que todos já fizémos para nos desculpar da bebedeira que todos temos de apanhar.
É obrigatório que entremos em coma alcoólico, imprescindível para que possamos saír deste bar com vida e sem ti.

1 comentário:

augusto, um entre mil disse...

não podes continuar nessa. não tens mais cinco anos para acreditares que alguém que partiu possa voltar.
o lugar que está vazio no balcão há-de ser preenchido. ou não, mas, se fôr, bem, se fôr não faças comparações. não há pessoas insubstituíveis mas também não há duas pessoas iguais.